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Distintos edifícios Modernos no centro histórico de São Paulo TESTE 00

CARRILHO, Marcos José
Professor Doutor, FAU UPM. São Paulo, marcos.carrilho@gmail.com
 
 

 
RESUMO

Na primeira metade do século XX, São Paulo assistiu um notável processo de transformação, resultado de intensas mudanças econômicas, acompanhadas dos avanços tecnológicos e de novos padrões de desenvolvimento urbano. O centro histórico da cidade concentrou neste período um vasto repertório de edificações que introduziram novos parâmetros, dando testemunho destas transformações. Os exemplares pioneiros deste processo, produzidos ao longo da década de 1920, incorporaram novos sistemas construtivos e modernos meios de circulação mantendo, todavia, uma expressão formal ainda tributária da tradição acadêmica. No início da década de 1930, esta produção começa a ensaiar mudanças na linguagem arquitetônica, alcançando significativo desenvolvimento entre os anos de 1940 e 1950. Nesta trajetória não deixam de ocorrer ambiguidades e contradições. Da mesma forma, grande parte do repertório representativo deste processo é pouco conhecido e estudado. Por intermédio de estudo de alguns exemplares significativos desta produção, este artigo busca trazer a discussão aspectos ainda pouco considerados pela historiografia da arquitetura moderna.

PALAVRAS-CHAVE: centro histórico de São Paulo, arquitetura moderna, história da arquitetura
 
ABSTRACT

In the first half of the twentieth century, a remarkable process took place at São Paulo as a result of intense economic changes, followed by technological improvements and new patterns of urban development. In this period the city historic center concentrated a vast building repertoire that have accomplished new parameters and witnessed these transformations. The pioneers of this exemplary process, produced throughout the 1920s, incorporated new construction systems and modern circulation means, although taking academic tradition as their formal expression. In the early 1930s, this production begins to experience changes in architectural language, bringing significant development between the years 1940 and 1950. Ambiguities and contradictions, however, accompanied this trajectory. Likewise, most of the representative repertoire of this process is poorly understood and studied. Through the study of some significant examples of this production, this article seeks to bring into discussion those still poorly considered works.

KEY-WORDS: São Paulo Downtown, modern architecture, architectural history
 
RESUMEN:

En la primera mitad del siglo XX, São Paulo ha sido testigo de un proceso de transformación notable, el resultado de los cambios económicos intensos, acompañado por los avances tecnológicos y los nuevos patrones de desarrollo urbano. El centro histórico de la ciudad se concentra en este período de un vasto repertorio de edificios que han introducido nuevos parámetros, siendo testigo de estas transformaciones. Los pioneros de este proceso ejemplar, producidos a lo largo de la década de 1920, incorporaron nuevos sistemas constructivos y los modernos medios de mantener la circulación, sin embargo, sigue siendo una expresión formal de la tradición académica de impuestos. A principios de la década de 1930, esta producción comienza a ensayar cambios en el lenguaje arquitectónico, aportando un importante desarrollo entre los años 1940 y 1950. Las ambigüedades y contradicciones de esta trayectoria no dejo de ocurrir. Del mismo modo, la mayor parte del repertorio representante de este proceso es poco conocida y estudiada. A través del estudio de algunos ejemplos significativos de esta producción, este artículo trata de llevar la discusión aún poco considerado por la historiografía de la arquitectura moderna.

PALABRAS-CLAVE centro histórico de São Paulo, arquitectura moderna, historia da arquitectura
 
 
 
 
 
1 Introdução

No início do século XX, a cidade de São Paulo assistiu um intenso processo de desenvolvimento e transformação. A expansão da produção agro-exportadora proporcionou considerável acumulação de recursos. O dinamismo econômico alcançado desencadeou rupturas e saltos no processo de modernização, gerando situações de choque entre as estruturas tradicionais e os impulsos transformadores.  Resistência, desequilíbrio, contrastes, são os sintomas gerais das condições então presentes.

A vitalidade deste período se manifesta tanto transformações urbanas como nas inovações arquitetônicas então introduzidas. O local de implantação destas edificações não é fortuito, mas corresponde à reestruturação urbana que a cidade sofreria a partir da década de 1910. Victor Freire, um de seus protagonistas, havia proposto a criação de um anel em torno da colina histórica com o objetivo de desafogar o tráfego que demandava a região central. A Rua Líbero Badaró foi então inteiramente reformulada assim como, no lado leste, a Rua Boa Vista teve sua continuidade estendida até o Pátio do Colégio, por meio da construção de um viaduto. A reurbanização do vale do Anhangabaú e sua transposição por meio do Viaduto do Chá, 1892, permitiram, por sua vez, a expansão do centro na direção oeste.

Estas diretrizes urbanísticas não se materializaram apenas pelo aperfeiçoamento do sistema de circulação e pela introdução de novos parques que embelezavam os vales que delimitam a colina de fundação da cidade. Um dos elementos fundamentais destas transformações se realizaria por meio de novas construções que viriam a caracterizar a imagem cosmopolita da cidade. As edificações que surgem então se caracterizam por estruturas de grande desenvolvimento vertical. As novas vias de circulação, corrigidas e ampliadas, serão preenchidas quase inteiramente por massas contínuas de edificações, realizadas a partir de novos parâmetros de aproveitamento dos imóveis. Estas transformações vêm acompanhadas portanto, de reformulações das normas edilícias.
 
2 Aproveitamento Imobiliário

Uma das características dominantes em todo o período é o intenso aproveitamento imobiliário da região central. As regras então estabelecidas condicionavam os índices de aproveitamento a limites de gabarito determinados pelas dimensões das vias públicas. Estes parâmetros persistiram por quatro décadas, sofrendo alterações que foram promovendo o adensamento da área central até o início dos anos 1960.

Apenas quatro anos após a instituição da Building Zone Resulution de Nova York (1916), era definida a Lei 2332/20. Este novo instrumento normativo dividia a cidade em 4 zonas distintas. Para a zona central, estabelecia em seu artigo nº 67[1] os seguintes gabaritos:[2]

- no mínimo 5 metros;

- no máximo, de duas vezes a largura da rua quando for de menos de 9 metros;

- duas vezes e meia, quando a largura da rua for de 9 a 12 metros;

- três vezes, quando a largura da rua for de mais de 12 metros.

Estes parâmetros foram reafirmados pelo Código Arthur Saboia (Lei nº 3.427/29). Logradouros de maiores dimensões, como as praças públicas adotavam parâmetros específicos. O artigo nº 151, da mesma Lei, estabelecia para a Praça Ramos de Azevedo e Praça da República a altura máxima de 50 metros.

Assistia-se, assim, nestas novas frentes de desenvolvimento da área central, uma intensificação do adensamento e da verticalização da cidade. Tais condições, seja sob a forma de estímulos, seja pelas normas a elas associadas definiram o perfil típico de determinados logradouros, como se verifica em especial na Avenida Ipiranga, na Avenida São Luís e na Avenida 9 de Julho. Não era muito distinto o perfil de outros vias no interior do anel, como se verifica nas ruas Barão de Itapetininga, 7 de Abril e Xavier de Toledo, entre outras. A característica dominante destes logradouros, é a massa compacta, contínua e homogênea da morfologia das quadras. Assim surgiram ao longo de várias das ruas centrais paredões contínuos de edifícios formando frequentemente corredores à feição de canyons.

Tendo apenas o gabarito máximo estabelecido em função da largura das vias, este sistema normativo de ocupação de imóveis permitiu alcançar índices de aproveitamento consideravelmente altos, que multiplicavam de 5 a 10 vezes a área dos lotes. Assim, o volume de construção resultava, invariavelmente, da extrusão dos polígonos geométricos dos lotes. Esta situação somente era atenuada em confronto com as características de uma estrutura fundiária em que predominavam lotes estreitos e profundos. Nestas circunstâncias, as possibilidades de multiplicação dos pisos implantados se defronta com as exigências mínimas de iluminação e ventilação dos ambientes internos, do que resultavam, na maioria dos casos, massas edificadas perfuradas por poços profundos e recuos modestos das divisas de fundos. De modo geral, os edifícios resultantes desse processo constituem operações imobiliárias levadas ao limite do aproveitamento permitido pela legislação.

Consequentemente, estas novas edificações da década de 1920 promovem drásticas rupturas de escala, gerando violento contraste quer em relação à morfologia pré-existente. Mas, para tanto, além dos limites normativos, foram necessários consideráveis avanços tecnológicos.
 
3 Avanços Tecnológicos

Muitos destes aspectos relacionados à modernização e às transformações tecnológicas da época comparecem registrados na imprensa.

Eram frequentes também anúncios de serviços profissionais, como os engenheiros construtores Pozzo e Bianchi, que declaravam “Especialidade em Concreto Armado”[3], o mesmo ocorrendo no caso de Samuel e Christiano das Neves[4], entre outros.

Outros desenvolvimentos tecnológicos partilhavam o mesmo tipo de difusão pela imprensa. É o que se verifica com os sistemas de circulação mecânica. Anúncios de elevadores estavam presentes desde 1912, quer para a finalidade industrial, quer para sua utilização em edifícios altos. O elenco de fornecedores reuniam tanto empresas locais com fabricação própria, a exemplo de José Zanotti, cujos produtos podiam ser conhecidos em sua oficina na Rua São Caetano[5], como fabricantes estrangeiros que abrem escritórios de representação como os Elevadores Otis. Em 1924 esta companhia publica anúncio dirigido aos “proprietários, architectos e constructores” salientando que “no centro desta cidade estão sendo reconstruídos grande número de edifícios, e a grande maioria de seus proprietários fizeram aquisição de elevadores Otis”[6]. O anúncio acrescenta ainda a lista de edifícios em realização em São Paulo, entre os quais se encontram os edifícios Conde Lara, Caio Prado, Rocha Miranda e o Palacete São Paulo (Praça da Sé).
O edifício Guatapará anuncia suas salas para alugar em esplêndido prédio de 10 andares com dois elevadores grandes e rápidos, além de água filtrada e refrigerada, ligação de telefone, luz, gás, a preços módicos[7].

Em 1927, o uso de elevadores parece estar suficientemente difundido para motivar a publicação de um artigo reclamando a necessidade de fiscalização municipal sobre a instalação de elevadores em edifícios altos. O articulista manifesta preocupação especialmente em relação a insuficiência de oferta de elevadores em relação à demanda de tráfego.

Fica claro que a esta altura, alguns dos pressupostos de modernização de meios que propiciassem a introdução de edificações de grande desenvolvimento vertical haviam sido alcançados.

O conjunto de casos a seguir examinados, tem como propósito trazer a consideração algumas obras, analisadas a partir das referências de fontes primárias obtidas da pesquisa de processos de aprovação na municipalidade e do estudo de suas características arquitetônicas, com o objetivo de contribuir para a reduzir a lacuna apontada.
 
4 Edifício Sampaio Moreira

O edifício Sampaio Moreira projetado em 1923, é um dos primeiros exemplares de estruturas de grande desenvolvimento vertical construídas na região central de São Paulo. Por muitos anos se destacou na paisagem do Vale do Anhangabaú, graças ao contraste de seu volume situado entre o palacete Conde Prates e o palacete que abrigava a sede da prefeitura. Este edifício marcaria também, entre outros, uma característica desencadeada pelo plano urbanístico proposto por Victor Freire para o anel que circundava o Triângulo, especialmente nos eixos formados pelas ruas Libero Badaró e Boa Vista. Mas, além de sua presença na paisagem, outros aspectos notáveis desta obra podem ser percebidos a partir referências obtidas nos arquivos da Prefeitura de São Paulo.
 
 
 






















































Edifício Sampaio Moreira – cartão postal

Uma das fontes que oferece a oportunidade de compreensão ampla das características de determinados projetos é aquela que se encontra na apreciação feita pelos técnicos da municipalidade[8]. Sua análise situa os projetos em relação às normas municipais, apontando eventuais falhas e estabelecendo os requisitos para a sua aprovação ou revisão.

Em relação concepção geral do edifício, sua volumetria resulta do máximo aproveitamento do imóvel permitido pela legislação atrás referida, a Lei 2332 de 1920. A altura máxima é determinada pela largura da rua, conforme o artigo 67, que no caso de vias de mais de 12 metros estabelece altura máxima equivalente a três vezes esta dimensão, no presente caso equivalente a 50 metros. Estabelecido este limite é necessário considerar as exigências complementares relativas à insolação, iluminação e ventilação, definidas nos artigos 70 e subsequentes da referida lei.  Para tanto, o edifício foi projetado em dois blocos de salas, um voltado para a rua e outro, no interior do lote, recuado da divisa dos fundos. Entre ambos foi previsto um pátio interno a fim de permitir aberturas das salas para ele voltadas. Porém, a sua primeira versão, o pátio interno não estava inteiramente de acordo como os requisitos da lei, conforme assinala a análise:

“A área central não satisfaz completamente o art. 79 da lei 2332. Deveria ter livre 9,72 x 6,10 m. Devo observar que a área central, uma vez desenhada com as dimensões legais (art. 79), dada a altura excepcional do prédio ainda ficará excessivamente exígua, pode-se dizer mesmo um verdadeiro poço, ficando vários pavimentos muito parcamente iluminados e ventilados.”[9]

Após uma série de observações sobre aspectos normativos, o analista dá início ao exame do projeto estrutural do edifício. Tendo ressalvado a necessidade de apresentação de desenhos complementares à memória de cálculo, o técnico discorre sobre o dimensionamento das seções das vigas principais, considerando desejável a apresentação de “gráfico representativo de momentos, indicando as seções de momento máximo total” e assinalando a necessidade de verificação das “seções propostas para as grandes vigas transversais, considerando-as como vigas contínuas, mui especialmente nas seções dos apoios, de grandes momentos negativos” e respectivos “detalhes das armaduras de acordo com a variação dos momentos e dos esforços cortantes”. Os comentários prosseguem em relação aos efeitos da ação dos ventos sobre a estrutura e os parâmetros de cálculo que não ficaram claros. Finalmente, o analista acrescenta que “uma das partes mais importantes do prédio projetado, dada a sua excepcional altura, é sem dúvida as fundações de que dependem a estabilidade do conjunto. O interessado faz pousar seu prédio sobre uma laje de 0,40 ms de espessura estendida em toda a superfície da construção e sobre a qual repousarão as bases dos pilares isolados em toda a extensão da parte construída. É o sistema de construção conhecido pela designação de Sistema Chicago e bastante aplicado na América do Norte” (Eng. Nestor M. Ayrosa).

Esta citação não apenas revela considerável atenção dos técnicos da municipalidade em relação à realização destas novas estruturas, desafiadoras dos padrões da época, mas demonstra, pelo tipo de observações feitas, um quadro de pessoal preparado para a sua análise. Isto significa que já no início da década de 1920 haviam sido alcançadas, sob o aspecto técnico, as condições necessárias para a nova etapa de desenvolvimento da região central da cidade.

Se as determinações normativas estabelecem, sem muita margem de variação, a volumetria geral do edifício, cabe ao arquiteto definir o aproveitamento do rés do chão e do subsolo, situar as prumadas de circulação e organizar a distribuição das salas e dependências subsidiárias do pavimento tipo e suas variações, tais como a sobreloja e ático.

Dois elementos principais definem a organização espacial deste edifício, o corredor de acesso e a prumada de circulação vertical, ambos situados no centro do volume, em contraste com outros exemplos contemporâneos. Se esta divisão não chega a constituir problema, o mesmo não se pode dizer da circulação interna do pavimento tipo, estendendo demasiadamente o acesso às salas do bloco dos fundos. Assim, a opção pelo acesso central, parece atender apenas o propósito de um tratamento formal da fachada, na face visível do logradouro público.

A composição é simétrica e as variações formais se realizam no sentido ascendente. A fachada é dividida de acordo com os princípios clássicos, porém com divisão mais complexa. Como é característico desta tradição, a base da edificação é revestida em pedra, imitando de blocos de cantaria de grandes dimensões, com bossagens salientes, preenchendo o pavimento térreo, a sobreloja e o primeiro pavimento. O corpo central do edifício se desenvolve de forma regular até as saliências do sétimo pavimento, constituídas de balcões delimitados por colunas de sustentação da balaustrada do pavimento superior, sugerindo visualmente um piano nobile, que, todavia não existe, uma vez que o pavimento tipo se repete sem variação de altura.  O destaque formal destes balcões extravasa os limites do pavimento, por meio de grandes modilhões no andar inferior e, balaustrada corrida ao longo do andar superior, balcões duplos no nono andar e, finalmente, o arremate da cimalha no décimo andar. Esta última marca o início do coroamento do volume, que se realiza por meio de uma mansarda fingida que oculta o décimo primeiro andar, interrompida na parte central, pelo belvedere.

Persistem, portanto, ainda que transformados em relação à escala,  os padrões da linguagem acadêmica. Esta característica somente começaria a se alterar no final da década de 1920, não pela eliminação do repertório ornamental, mas por sua reinterpretação. É o que pode ser demonstrado por outra obra, o Palácio do Comércio.
 
5 Palacio do Comércio

Destinado à primeira sede da Bolsa de Valores de São Paulo, o Edifício do Palácio do Comércio foi projetado em 1928, pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo. Embora as informações históricas sejam escassas, é sabido que a Bolsa de Valores nele se instalou em 1934, permanecendo no edifício até 1977. Segundo referências históricas encontradas em sua página da internet, “os negócios eram realizados na corbeille um balcão circular ao redor do qual se sentavam os corretores oficiais e onde eram apregoados os valores das ações. Estes corretores eram nomeados pelo poder público. Esta configuração durou até a década de 1960”[10].

Um artigo do jornal O Estado de São Paulo trazia a público, em 1926,  a proposta de um projeto de lei para a concessão de crédito pelo Estado de São Paulo visando a construção do Palácio do Comércio:
“A Bolsa de Mercadorias de São Paulo, auxiliada pelo governo do Estado, faria construir um prédio com a denominação de Palácio do Comercio, cuja arquitetura e proporções condissessem com a importância da vida comercial, industrial e agrícola de São Paulo, instalando nele, com as acomodações necessárias a Bolsa de Mercadorias de São Paulo, a Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo, a Junta Comercial do Estado de São Paulo, a Associação comercial de São Paulo e demais instituições ou empresas comerciais, tais como centros industriais, Câmaras de Comércio, Caixa de Liquidação, Armazéns Gerais, tabeliões, Cartório de Protestos de Títulos, etc.”[11]

O edifício situa-se no Pátio do Colégio, entre as antigas Ladeira do Comércio e Travessa do Colégio, logradouros associados às origens da cidade de São Paulo. À época em que foi construído se defrontava com o Palácio do Governo e demais edifícios das secretarias do governo. A localização do edifício não era fortuita, dada a importância da instituição que deveria abrigar.
O levantamento SARA-Brasil, baseado em aero-fotos de 1929, parece registrar a edificação já realizada a julgar pela geometria do lote. Há, no entanto, outros registros fotográficos que documentam a construção em desenvolvimento neste ano, porém em estado bastante adiantado, tendo a estrutura atingido o último pavimento.[12]

O edifício ali implantado é constituído de dois subsolos, piso térreo de dupla altura, sobreloja e dez pavimentos. A distribuição interna se distingue em três diferentes setores. O piso térreo foi projetado para receber o pregão da bolsa. Esta organização determina a distribuição da estrutura do edifício que segue contínua, até o nono pavimento. Sobreposto ao pavimento térreo e à sobreloja, têm início os pavimentos-tipo, prosseguindo até o 9º andar e, finalmente, com um ligeiro recuo, o salão circular e as duas salas laterais de plantas oitavadas e respectivas cúpulas realizam o coroamento do volume edificado.

A construção foi realizada por meio de estrutura independente de concreto armado. A distribuição dos apoios responsáveis pela sustentação do edifício se apresenta condicionada pela grande sala do pregão no pavimento térreo. Assim definida, a estrutura segue contínua até o oitavo andar, onde ocorre uma pequena transição de modo a obter um salão central de maiores dimensões e no décimo andar proporciona o coroamento do volume com duas salas oitavadas e respectivas cúpulas.

De feições um tanto atarracadas, o volume deste edifício se organiza segundo parâmetros clássicos, reproduzindo a composição tripartida constituída de base, corpo principal e coroamento. Assim, a face principal voltada para o Pátio do Colégio, é definida em toda sua extensão por um vigoroso pórtico da ordem dórica. As faces laterais repetem outro motivo de mesma ordem, porém sem colunas duplas, balizadas nas extremidades por muros revestidos de pedra com bossagens bem marcadas, os quais excedem a altura do entablamento até encontrarem uma segunda cornija, criando um segundo plano de arranque para pedestais que, na face da frente logo se interrompem em inusitada ornamentação de capiteis.
 































































Vista frontal do antigo Palácio do Comércio – fonte: http://portalraj.com.br

O repertório ornamental é extenso e variado. Os frisos são pontuados por rosetas e as cercaduras variam de acordo com a situação. No corpo principal do volume, ao longo dos andares, parece haver maior rigor nas marcações dos vãos e na sugestão de planos sucessivos, emoldurados por superfícies retilíneas. Já o vão central é inteiramente vazado na face principal, sugerindo a predominância dos panos de vidro. No ático do edifício há uma profusão de elementos, sendo os cunhais são arrematados por cúpulas interligados por ambiente de planta circular à feição de um tolos, sendo o conjunto reunido por uma grossa cornija.

A solicitação visual é intensa. Há, mesmo, uma certa ambiguidade neste tratamento ornamental. Se o caráter austero do pórtico dórico tem pertinência para representar a finalidade principal do edifício, o rebuscamento da ordem dupla, a estilização e as proporções avantajadas de seus elementos ornamentais parece sugerir, avant la letre, a atitude irônica das experiências pós-modernas dos anos 1980. Além disso, a variação dos materiais empregados, granito róseo no pórtico e nas bossagens, o revestimento em massa raspada, a sequência de planos sobrepostos na base, que volta a se repetir na parte superior, com os volumes exuberantemente ornamentados, sobre uma cornija que parece transbordar o volume do edifício, compõem esta curiosa expressão figurativa de uma das experiências pioneiras do modernismo em São Paulo.

Não obstante, o observador atento, capaz de se deter com vagar sobre tão carregada expressão visual, talvez possa perceber aspectos de grande qualidade, como os sucessivos planos de fachada que conferem ao edifício uma sugestiva transparência – talvez a transparência fenomênica – de que tratou Collin Rowe[13].
 
6 Edifício Saldanha Marinho

No final da década de 1920, um episódio documentaria de maneira particular as experiências formais que vinham sendo ensaiadas no período. Trata-se do Edifício Saldanha Marinho, implantado em um lote triangular delimitado pela Rua Líbero Badaró e ladeiras de São Francisco e do Ouvidor. O que deu origem a esta obra foi o concurso, realizado em 1927, para a sede do Automóvel Club de São Paulo, vencido por Christiano Stockler das Neves.

A Revista Mackenzie de Engenharia publicou um artigo comentando este e outros três projetos participantes do certame. A opinião ali expressa destaca “a superioridade deste projeto sobre os demais é manifesta em todos os aspectos.”[14] Condicionado pela forma triangular do terreno, a matéria assinala que um dos aspectos mais relevantes de sua organização espacial resulta da disposição da “escadaria geral na parte final do edifício, i. é, no cruzamento da Ladeira de S. Francisco com a Rua do Ouvidor, afim de aproveitar maior área com frente para a Rua Líbero Badaró.”[15] De fato, a disposição da circulação – escada e elevadores – no eixo perpendicular à face principal permite definir uma extensa faixa frontal (10 x 40 metros) na qual foram dispostos os salões e as principais dependências destinadas ao Automóvel Club.  O procedimento, aliás, é tributário da tradição acadêmica, caracterizada pela distribuição criteriosa e bem ordenada das dependências, conformando plantas limpas e bem proporcionadas.

Embora o edifício tenha sido projetado para abrigar a sede de uma instituição voltada para a difusão de um moderno meio de circulação, o automóvel e atenda, sob o aspecto programático e funcional, as mais atuais exigências, a resposta encontrada para caracterizar o edifício era conservadora, pois apresentava “uma fachada em estilo Luís XVI modernizado”. Não obstante, o articulista considera adequada esta solução, uma vez que o “edifício é destinado à nossa elite”.[16]

No início dos anos de 1930 a construção encontrava-se em estágio avançado quando as obras foram interrompidas. No final de 1931, a Diretoria do Automóvel Club divulga um  edital de “concorrência para a venda do prédio em construção e seu respectivo terreno à Rua Libero Badaró, 54”[17]. Em 1934, o engenheiro-arquiteto Dacio A. Moraes Publica um artigo na Revista Politécnica em que registra sua aquisição pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro e descreve sua adaptação para sede dos escritórios desta empresa.
 




Perspectiva do Edifício Saldanha Marinho – Elisiário Bahiana – Fonte: cervo Biblioteca FAUUSP

O artigo de Moraes não menciona a colaboração do arquiteto Elisiário Bahiana, a quem é atribuído o projeto de reforma. Há, todavia, no acervo da Biblioteca da FAUUSP, uma perspectiva de sua autoria que documenta a volumetria externa do edifício tal como foi realizada. Por ela verifica-se uma radical mudança em relação ao tratamento de fachada definido por Christiano Stockler das Neves. No projeto de Bahiana foram eliminados os balcões e saliências e estabelecida uma marcação de facetada de planos, com recuos sucessivos, que se prolongam da base à cobertura, e acentuam o sentido de desenvolvimento vertical da volumetria. O embasamento ainda se apresenta diferenciado, mas apenas por meio de revestimento distinto, granito polido em lugar das bossagens pronunciadas. A ornamentação foi quase inteiramente eliminada, limitando-se aos elementos de serralheria e alguns relevos superficiais muito discretos no ático.

Este tratamento formal de características nitidamente modernistas estava presente nas dependências internas do edifício, com revestimentos altamente refinados nos ambientes mais importantes, expandindo-se para elementos representativos da Companhia Paulista e de celebração de outro meio de circulação: o transporte ferroviário e suas modernas locomotivas.  Digno de nota, é a expressão volumétrica do edifício, livre em todas as suas faces, situação esta decorrente das características peculiares do lote em que se situa.

Este episódio marca de maneira peculiar a transição da produção de edifícios na região central para uma expressão arquitetônica mais nitidamente moderna. Não deixa de demonstrar também as ambiguidades desse processo. Embora o edifício tenha sido concebido e estruturado, desde sua origem, por meio dos mais modernos recursos da técnica e da organização espacial, revela a autonomia do invólucro, que se apresenta indiferentemente intercambiável.
 
7 Edifício do antigo Banco de São Paulo

Embora não tenha sido jamais mencionado pelos principais textos da historiografia da arquitetura moderna, o Edifício do Banco de São Paulo sempre foi muito destacado por seu refinado tratamento decorativo, tendo sido incluído no catálogo de Bens Culturais organizado pela EMPLASA, em 1984.[18] Foi também reconhecido por meio do tombamento, pelo Município de São Paulo (CONPRESP) e também pelo Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), em 2003. Este reconhecimento, contudo, permaneceu nos limites da percepção imediata de suas características mais evidentes, tanto por leigos como por profissionais e estudiosos da arquitetura, sem a consideração para os demais atributos de que esta obra é portadora. Uma das formas de aprofundar os limites desta apreensão começa por sua descrição. A observação atenta de suas características torna evidente por si mesmo o alto valor arquitetônico desta obra.

O edifício foi projetado em 1936, pelo arquiteto Antônio Carlos Arruda Botelho. Ocupa um lote de geometria irregular, com duas frentes, voltadas para as ruas XV de Novembro e São Bento. Logradouros distintos, deles resultam parâmetros diversos de aproveitamento, correspondentes a 16 e 12 pavimentos respectivamente. É constituído de dois subsolos, pavimento térreo com agência bancária voltada para a Rua XV de novembro e área de contabilidade na Rua São Bento. Nesta última há dois acessos nas laterais, um para o Jockey Clube e o outro é uma portaria e acesso de serviço ao subsolo.
 
Sob o aspecto construtivo, trata-se de um edifício moderno, tanto no sistema estrutural como no sistema mecânico de circulação vertical. Acrescentam-se a isto, as instalações de ar-condicionado.
Em relação ao sistema estrutural a torre principal foi subdividida em três linhas de apoios longitudinais, com vão central de 7,20 metros, vão este que atravessa toda a estrutura edificada, entre os dois logradouros, formando os vazios dos pátios internos. Há, todavia, um notável desafio estrutural correspondente ao vão livre de 15,50 metros da agência bancária. Este amplo espaço livre é atravessado por duas vigas de transição, uma delas de grandes dimensões, responsável por suportar as cargas de onze pavimentos do edifício principal.

O edifício se apresenta como um organismo complexo, em cujo desenvolvimento vertical sucede uma série de variações. Além da altura monumental da agência, ambientes relevantes na hierarquia do banco, como a diretoria são resolvidos com duplo piso ou piso e meio no salão nobre do clube e, pouco menos, em seu salão de jogos, refletindo-se estes últimos na face oposta da Rua São Bento. Na Rua XV de novembro, o volume segue vertical até o décimo terceiro andar, a partir do qual pequenos recuos se sucedem para marcar o coroamento da composição.

Definidas as massas que determinam a configuração geométrica do edifício, o tratamento das superfícies também comparece com grande relevância no resultado formal da obra arquitetônica. Neste caso, há também uma escolha de filiação estilística que determinará em grande medida o resultado estético do conjunto. Entre as várias vertentes modernistas do repertório Art Decó, o arquiteto optou por um tratamento de inspiração neogótica, refletido nas variações delicada de planos que demarcam a continuidade das linhas verticais, ficando em segundo plano, quase imperceptível, a subdivisão horizontal dos pavimentos.

Diversamente das correntes modernistas que exploram o dinamismo volumétrico e as linhas que sugerem intenso movimento, a nota dominante neste edifício é o tratamento superficial, mediante delicada variação de planos, obtida por meio de revestimento de granilhas em tom róseo, de distribuição homogênea por toda a superfície. A única diferença no revestimento ocorre na marcação das bases dos volumes, revestidas em pedra, como é tradicional, porém como acabamento polido, em que apenas a cor – granito preto – parece transmitir o sentido de sustentação das massas que se sobrepõem.  O embasamento assim tratado se expande sobre a moldura das portas acentuando a profundidade do recuo do vão principal.

Na fachada se destaca o vão central inteiramente vazado, cujas aberturas separadas apenas por montantes contrastam com as janelas dos segmentos laterais perfuradas na alvenaria. O corpo central prossegue seu desenvolvimento no sentido vertical, enquanto que as faces laterais sofrem recuos sucessivos à medida que alcançam o topo do volume.

A ornamentação externa é bastante austera, constituída de motivos florais geometrizados, que se sobrepõem, formando frisos contínuos, até alcançar no topo saliências sugestivas de ameias que, aliadas aos gradativos recuos da parte superior compõem um coroamento dinâmico e variado. A ornamentação interna das partes de uso coletivo se vale de materiais refinados, mediante associação de placas de mármore polido e incrustações de bronze. A variedade dos motivos e temas é bastante contida e o efeito decorativo decorre mais das texturas e do refinamento dos materiais que do desenho elaborado, embora compareçam especialmente nos metais formas caprichosas e rebuscadas.
 
 
8 Edifício Germaine

Outra obra pouco conhecida, jamais referida pela historiografia da Arquitetura Moderna em São Paulo, é o edifício Germaine. No entanto, foi destacado com o prêmio de “o mais belo edifício de construído no biênio 1941-1942” outorgado pela Prefeitura Municipal de São Paulo (ato no. 1573 de 8/4/39). Esta obra comparece no livro de Sylvia Ficher – Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo[19] – referida porém ao contexto da produção do Escritório Técnico A. B. Pimentel, responsável por sua construção.

Embora se trate de um caso excepcional, cuja autoria é atribuída a um arquiteto de origem austríaca – Enrico Brand – de quem não se tem outra referência, esta obra antecipa mudanças sob o aspecto formal que só viriam a se realizar com desenvoltura na década de 1950. Há pelo menos três aspectos que o tornam uma obra de interesse singular, sua implantação, suas características volumétricas e a presença de elementos típicos da linguagem moderna.
 
Perspectiva do Edifício Germaine – fonte: Processo de Aprovação

O terreno onde se localiza o edifício divisa com os limites relativamente restritos da área em que se situa a Igreja de Santa Efigênia. Uma nova edificação de 13 pavimentos, implantada no alinhamento frontal, como se fazia invariavelmente nesta época, e como de fato ocorreu em projeto anteriormente apresentado pelo renomado escritório Severo Villares, certamente resultaria em uma brutal ruptura de escala, comprometendo severamente o ambiente imediatamente vizinho ao templo religioso. Todavia, isso não ocorreu graças a hábil solução encontrada, composta de um volume gerado por um segmento de arco, do qual resulta uma superfície contínua e suficientemente recuada que, não obstante a diferença de escala, cria um pano de fundo capaz de ordenar as superfícies díspares das edificações vizinhas,  favorecendo o destaque da igreja. Em sua versão original, o pavimento térreo era composto por um jardim e, sob a projeção do edifício residencial haviam lojas comerciais, acessíveis por um cul de sac. Assim, o recuo proporcionado pela superfície curva não apenas atenuava a presença da massa edificada, mas abria a perspectiva para o observador que se deslocasse ao longo da Avenida Casper Líbero.

Finalmente, comparecem no edifício vários elementos formais típicos da linguagem da arquitetura moderna tais como as amplas aberturas dos apartamentos voltadas para os balcões, os panos de vidro de formas cilíndrica nos apartamentos das extremidades e as divisórias em blocos de vidro entre as unidades residenciais.

Assim, ainda que de forma episódica, a cidade assistia inovações expressivas na produção arquitetônica do final da década de 1930 e início dos anos de 1940.
 
9 Edifício Conde Prates

Outra obra significativa em relação à trajetória de mudanças assistidas na região central, nos anos de 1940, é o edifício Conde Prates. A área onde se situa é remanescente de uma série de transformações que deram origem a um lote livre em relação às suas quatro faces. Esta configuração surge com as reformas urbanas promovidas no início do século XX,[20] mediante o alargamento da rua Libero Badaró, como parte do anel de circulação proposto por Victor Freire, reformulado por Samuel Stockler das Neves e, por fim, consolidado pela mediação do urbanista francês Joseph Bouvard que, ao sugerir a criação do Parque do Anhangabaú, entre as alternativas formuladas admitiu, na transição entre a colina e o vale, a construção de edifícios que emoldurassem as bordas do jardim público, conciliando desse modo os interesses em conflito entre o proprietário da área e as melhorias pretendidas pela municipalidade.

A primeira versão do projeto elaborado por Elisiário Bahiana é do ano de 1945. Uma perspectiva do edifício proposto foi publicada pela Revista de Engenharia Mackenzie, ilustra claramente suas características volumétricas. A Biblioteca da FAUUSP conserva os desenhos originais do projeto. Verifica-se, a partir deste elementos, que se trata de um projeto de um edifício de grande porte, destinado a escritórios, constituído por uma base e uma torre em estrutura de concreto armado alcançando 28 andares. A linguagem arquitetônica é completamente despojada de ornamentação, porém guardando elementos da tradição clássica, tais como a composição tripartida, com uma base bem definida, o desenvolvimento da torre e o coroamento constituído de uma cornija e um ático de 4 pavimentos.

Embora o desenho seja pobre de expressão gráfica, verifica-se que o tratamento do volume, valendo-se dos princípios acadêmicos reinterpretado em linguagem moderna, é bastante sofisticado. A base, por exemplo, extrapola o nível térreo, formando um peristilo de altura monumental que envolve toda a volta do volume da torre. O corpo principal do edifício é tratado com planos superpostos capazes de sugerir algum movimento ao extenso volume da fachada. As linhas verticais dominantes são atenuadas por linhas horizontais dispostas em intervalos de dois pisos, até atingirem a cornija, destacada pela abertura integral dos vãos do pavimento imediatamente inferior. Finalmente, os paramentos de vedação são recuados no ático, de modo a sugerir, na parte superior do volume da torre, o arremate da composição sob a forma de um peristilo.
 




Projeto do Edifício Conde Prates – Elisiário Bahiana – fonte: Revista de Engenharia Mackenzie
 
 
Conforme registros fotográficos datados de 1948, a construção da obra segundo o projeto de Bahiana havia já alcançado o nível da Rua Líbero Badaró, estágio a partir do qual, em período posterior, o projeto seria revisto sob a orientação do arquiteto Giancarlo Palanti. Não são claras as motivações desta mudança, mas o fato é que o edifício, já definido pelas fundações e pelo embasamento, teve continuidade mantendo em grande parte a configuração espacial proposta no primeiro projeto. A organização interna sofreu ligeiras alterações que aperfeiçoam as instalações e o sistema de circulação vertical, melhorando da mesma forma o aproveitamento dos escritórios, sem contudo alterar a configuração da volumetria externa. Apenas o seu tratamento  sofreria mudanças.

Em sua tese sobre os edifícios modernos no centro de São Paulo, Alessandro Castroviejo Ribeiro[21] recolheu importante documentação sobre esta obra. Duas perspectivas ilustrativas das mudanças constituem elementos particularmente importantes para os objetivos desta discussão. A primeira delas representa uma versão não realizada, mas que demonstra as transformações pretendidas em relação ao projeto de Elisiário Bahiana. O volume arquitetônico proposto por Giancarlo Palanti foi totalmente depurado, resultando uma forma abstrata, desprovida de referências à tradição clássica ou a elementos figurativos. Persiste apenas uma orientação dominante da composição constituída de linhas que acentuam o desenvolvimento vertical da torre. O corpo saliente do embasamento foi mantido, sendo no entanto reinterpretado, de modo a tornar mais leve e fluída sua presença, graças ao farto uso de superfícies envidraçadas. Esta transparência enfatiza o desenvolvimento autônomo da torre. Porém, por mais abstrata que seja a composição, alguns de seus elementos traem vínculos com a herança clássica, como evidenciam as colunas de dimensões monumentais descoladas do alinhamento das vedações. Da mesma forma, as saliências duplas que se desenvolvem em toda a altura da torre destacando os cunhais parecem reminiscências do projeto anterior.

Contudo, na obra efetivamente realizada ocorre ainda uma última mudança no tratamento final do invólucro do edifício. Colocadas lado a lado, as perspectivas ilustrativas do projeto de Giancarlo Palanti se apresentam formalmente antagônicas, a primeira demarcando com ênfase as linhas verticais contrasta com a segunda, na qual predominam as linhas horizontais. É verdade que opção por fechamentos integralmente de vidros, ligeiramente afastados das linhas da trama estrutural, expandiu, em termos expressivos, o repertório característico do Movimento Moderno. Mas, este episódio traz novamente à consideração as semelhanças e ambiguidades apontadas no caso do Edifício Saldanha Marinho.

Estas ocorrências não são tão raras, tendo aparecido com certa frequência, como demonstra o Edifício CBI de Lucjan Korngold, realizado sobre outra estrutura parcialmente construída a partir de outro projeto do mesmo Elisiário Bahiana. Em outras circunstâncias, obras como o Edifício Triângulo, de Oscar Niemeyer e Carlos Lemos, haviam sido objeto de estudos anteriores, neste caso do escritório Severo Villares. Comparadas as soluções desenvolvidas por seus autores não se verificam diferenças substanciais em relação à concepção espacial, condicionados que estão os projetos pelos determinações da legislação. Varia, quando muito, o tratamento formal de acordo com as filiações às correntes mais ou menos conservadoras. Porém, a forma arquitetônica não se altera substancialmente.

Este conjunto de referências, assinaladas por obras pioneiras, por edifícios pouco conhecidos e pelas indicações das características de aproveitamento imobiliário sugerem a necessidade de expansão do horizonte de análise da formação do repertório da arquitetura moderna, com vistas a uma apreciação mais ampla da produção que caracterizou a primeira metade do século XX.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências
Empresa Metropolitana de Planejamento do Grande São Paulo e Secretaria Municipal do Planejamento, Bens culturais e arquitetônicos no município e na Região Metropolitana de São Paulo, São Paulo: EMPLASA, 1984.
FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: Ensino e Profissão em São Paulo. São Paulo, FAPESP: editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2005.
FONTENELLE, S., Relações entre o Traçado Urbano e os Edifícios Modernos no Centro de São Paulo – Arquitetura e Cidade (1938 – 1960), Tese de  Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 2010, p. 93
O ESTADO DE SAO PAULO – pesquisa no acervo
REVISTA DE ENGENHARIA DO MACKENZIE
RIBEIRO, A. C., Edifícios Modernos e o centro histórico de São Paulo: dificuldades de textura e forma, Tese de Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 2004
ROWE, Colin: The Mathmatics of the Ideal Villa and Other Essays, Cambridge, MIT Press, 1982
SIMOES JUNIOR, José Geraldo, Anhangabaú: história e urbanismo, São Paulo, SENAC, 2004
 

[1] Fontenelle, S., Relações entre o Traçado Urbano e os Edifícios Modernos no Centro de São Paulo – Arquitetura e Cidade (1938 – 1960), Tese de  Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 2010, p. 93
[2] Zona central: largo do palácio, segue pela General Carneiro, Vinte e Cinco de Março, Anhangabaú, Florêncio de Abreu, Mauá, Protestantes, General Couto de Magalhães, Ipiranga, Praça da República, Sete de Abril, ladeira e largo da Memória, ladeira e Rua do Riachuelo, Praça João Mendes, rua do Teatro, 11 de Agosto, Travessa da Sé, Rua do Carmo e Largo do Palácio.
[3] OESP, 6/10/1915
[4] OESP, 16/01/1917
[5] OESP, 10/06/1912
[6] OESP, 02/11/24
[7] OESP, 28/11/1926
[8] O requerimento constante no processo nº 23.925/23 solicita a aprovação de uma edificação de 13 pavimentos, à Rua Líbero Badaró, 101 e 107. Na documentação encaminhada, o Memorial Descritivo indica tratar-se de uma edificação de “arcabouço e pavimentos de concreto armado” acrescentando que o projeto “obedece a Lei 2332”.
[9] Processo  nº 23.925/23.
[11] OESP, 10/09/1926, p. 4.
[13] Rowe, Colin: The Mathmatics of the Ideal Villa and Other Essays, Cambridge, MIT Press, 1982
[14] Revista de Engenharia Mackenzie
[15] Idem
[16] Revista de Engenharia Mackenzie
[17] O Estado de São Paulo, 27/12/31, p.10.
[18] Empresa Metropolitana de Planejamento do Grande São Paulo e Secretaria Municipal do Planejamento, Bens culturais e arquitetônicos no município e na Região Metropolitana de São Paulo, São Paulo: EMPLASA, 1984.
[19] Ficher, Silvia. Os arquitetos da Poli: Ensino e Profissão em São Paulo. São Paulo, FAPESP: editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2005.
[20] “o alargamento da Líbero Badaró aconteceu, em sua maior parte, entre os anos de 1911 e 1914, interligando a outras obras e melhoramentos, como a abertura de uma praça na esquina com a rua Direita (a futura praça do Patriarca, concluída em 1924) e o alargamento da rua de São João”, Simões Júnior, 2004, p. 140.
[21] Ribeiro, A. C., Edifícios Modernos e o centro histórico de São Paulo: dificuldades de textura e forma, Tese de Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 2004.



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